23 de junho de 2008

O direito ao anonimato, José Vítor Malheiros, Público, 22.06.2008.

«Houve uma altura em que se falava do anonimato da grande cidade, das pessoas perdidas no meio das multidões urbanas. (…) Mas passar despercebido no meio da multidão foi uma expectativa que a tecnologia dos últimos anos frustrou de forma radical.Na era electrónica pós-11 de Setembro, a multiplicação dos sistemas de vigilância, dos controlos de identidade, dos cruzamentos de documentos tornaram o anonimato impossível. Quase tudo o que fazemos está registado. Quantas câmaras de videovigilância filmam os nossos gestos?
Há sistemas electrónicos a controlar as transacções comerciais, a informação clínica, os transportes, as telecomunicações, a água, o gás e electricidade. O nosso carro e o nosso telemóvel têm dispositivos de localização que permitem saber por onde andamos – e há poucas coisas mais pessoais que um carro ou um telemóvel. (…)
A maior parte das pessoas não se sente ameaçada por esse controlo – porque confia nos sistemas sociais que o enquadram. Outros dizem que não se importam de ser vigiados porque não têm nada a esconder. Mas todos temos. E temos o direito de esconder. Uma sociedade que se arroga o direito de tudo espreitar é uma sociedade totalitária. A possibilidade de anonimato é condição de liberdade. Não é por acaso que as democracias defendem o voto secreto.
Paradoxalmente ou não, o anonimato floresceu na Internet, último espaço onde se pode ser outro e explodir em heterónimos nas redes sociais que são os novos espaços de convívio global. O infeliz caso de Megan Meier e o julgamento de Lori Drew [Uma americana de 49 anos vai ser julgada no próximo mês, acusada de criar uma identidade falsa na Internet, fazendo-se passar por um rapaz de 16 anos. O caso seria banal, não fosse o facto de ter terminado com o suicídio de uma adolescente com quem o "rapaz" se relacionara on-line] arrisca--se a resultar numa redução dessa liberdade. Descobrimos que dar um nome falso ou mentir sobre a idade na Internet pode ser crime.
Os riscos destas imposturas – nomeadamente para os jovens – são reais, mas eles podem ser usados para pôr em causa aquilo que é hoje uma das últimas reservas da liberdade individual.»

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