É de estranhar que nos últimos dias ninguém tenha questionado a saúde da democracia, os que andaram a chamar fascista a Sócrates, que descobriram em pequenos incidentes o regresso da ditadura, ou que viram no professor Charrua um novo símbolo da liberdade de expressão, não se tenham queixado da qualidade da democracia.
Não questionaram a legitimidade de armadores e pescadores decidirem oferecer ou destruir pescado que tinha sido pago por pequenos consumidores, não se incomodaram por uma minoria de camionistas ameaçarem, coagirem e impedirem outros de circular e até mesmo ameaçar o país com uma guerra civil.
A extrema-esquerda, cuja liderança é disputada por PCP e BE, não ficou incomodada por ver motoristas e pescadores servirem de tropa de choque de alguns dos piores patrões do país, a direita ficou silenciosa perante as restrições à liberdade e a destruição da propriedade alheia, ou o desrespeito da ordem pública, valores que lhe são tão queridos. Pior, enquanto tudo isto acontecia era evidente a mãozinha dos seus militantes nalgumas destas acções, os dirigentes calaram-se enquanto as bases se uniram na acção, o que não é novidade, uma boa parte dos manifestantes da CGTP até é transportada em autocarros de autarquias do PSD.
Para muito dos nossos políticos a democracia é a parlamentar se estiverem no governo e é a da rua se estiverem na oposição, analisam o estado de saúde da democracia pelo seu estatuto. Para o PCP e BE não é o voto dos eleitores que conta, nem os deputados do parlamento, são os manifestantes que representam os eleitores. Se alguém tem dúvidas resolve-se o problema exibindo alguém que diz que votou PS mas está nas manifestações ou a organizar a destruição de camiões da concorrência, assim o parlamento deixa de ter legitimidade.
É este o conceito de boa saúde da democracia, quem deve decidir são os que conseguem juntar uma manifestação ou que têm meios para bloquear o país, quem representa os eleitores sé o CC do PCP que vai à cabeça das manifestações da CGTP, ou os camionistas do PSD que com alguns camiões põem em causa a economia. As votações das moções de censura vão avaliadas na rua, foi isso que disse Jerónimo de Sousa quando apresentou a sua e Ana Drago durante a votação da moção de censura apresentada pelo CDS. O PS tem a legitimidade parlamentar, a direita e a extrema-esquerda juntaram-se para governarem a partir da rua.
Para estes defensores da democracia há novos heróis, o professor Charrua porque chamou filho da puta ao primeiro-ministro e os camionistas porque queimaram os camiões da concorrência. É evidente que se o PCP chegasse ao poder quem chamasse filho da puta a Jerónimo de Sousa iria uns anos para a Ilha do Pessegueiro até aprender a respeitá-lo, se a MFL estivesse no poder aconteceria aos camionistas o que aconteceu aos polícias que se manifestaram no Terreiro do Paço. Nessa altura a democracia deixaria de ser a da rua, passaria a ser uma democracia saudável.
Enfim, com políticos destes não há democracia que aguente.
O Jumento
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