«Há sempre uma esquerda à esquerda da esquerda. É a história da esquerda. A esquerda nasceu liberal no século XVIII, mas logo apareceram então esquerdas à esquerda dessa primeira esquerda (jacobinos, babouvistas…).
No século XIX apareceu a esquerda socialista e social-democrata, à esquerda das anteriores, e no século XX a esquerda comunista, ainda mais à esquerda. Mas à sua esquerda teve de nascer o esquerdismo.
A derrota histórica do comunismo e do esquerdismo não acabaram com este jogo de caixinhas chinesas. E Portugal é agora vítima disso. O espectáculo que a esquerda parlamentar portuguesa dá por estes dias é notável: um Governo de esquerda, do Partido Socialista, é ameaçado por uma moção de censura de um partido de esquerda, o Bloco de Esquerda, que, naturalmente, acusa o Governo de ser de direita; mas, como é evidente, não podia faltar a ameaça de outra moção de censura do outro partido de esquerda, o Partido Comunista, tentado a provar que é ainda mais de esquerda do que o resto da esquerda. No outro dia, foi possível ver João Semedo (ex-comunista e agora do BE) convidar o PC a "convergir com o Bloco de Esquerda" não numa moção de censura conjunta mas apresentando outra moção de censura. Quem pode não ficar fascinado com tudo isto?
O BE está obviamente a punir-se na carne pelos seus lamentáveis "desvios de direita", que alguns dos seus membros alimentam e que tiveram a sua mais recente materialização no apoio a Manuel Alegre em conjunto com o PS. Alguns no BE sonham em entrar para o "arco da governação", transformando-se numa "ala esquerda" do PS. Já vimos sinais disto na corrente legislatura, em que um intelectual ‘gay' e próximo do BE se transformou em deputado do PS para fazer avançar a agenda ‘gay' do BE. Mas é evidente que a concretização final desse passo só poderá ocorrer com uma cisão do BE. O PS, claro, espera-os de braços abertos. É também essa a sua missão histórica: reciclar antigos radicais de esquerda cansados de não terem influência. Mário Soares começou por ser comunista; Jorge Sampaio, João Cravinho ou Eduardo Ferro Rodrigues, esquerdistas; José Magalhães, Pina Moura ou Mário Lino, comunistas...
Pior é estas querelas de família terem consequências nacionais. Da moção de censura não resultará nenhum quadro parlamentar recomendável: não vai passar e continuaremos a ter um governo minoritário, agora com as relações completamente envenenadas com o resto da esquerda; caso passasse e houvesse eleições, arriscávamo-nos a ficar na mesma, fosse com o PS ou com o PSD. Uma boa parte da esquerda nunca gostou da democracia liberal. Porque haveria de querer ajudar a nossa a funcionar?» [DE]
Luciano Amaral.
18 de fevereiro de 2011
14 de fevereiro de 2011
MOÇÃO E MOCINHOS
«Todos os dias, e um deles, por semana, até com o Governo sentado em frente, os deputados têm a oportunidade de dizer o que pensam da acção e do pensamento governativo. Como se chama a essa arma? Discursos. Discursos a criticar a política governativa ou tão-só uma vírgula numa proposta de lei. Pontuais ou vastos, chamam-se discursos. Atenção, não se chamam moções de censura. Chamam-se discursos. É necessário dizê-lo porque, depois de ter tirado da cartola uma moção de censura ao retardador, o Bloco de Esquerda desvaloriza essa moção como se daqui a um mês viesse a fazer uma coisa que podia resolver com um discurso. Não, uma moção de censura é uma proposta parlamentar que pretende derrubar o Governo. Por isso, em vez de discursar como se pode fazer todos os dias, uma moção de censura concita um texto pretendendo juntar o número de deputados que mostre que o Governo tem contra ele a maioria dos deputados. Ora o que tem feito o BE desde que ameaçou com a moção de censura, ele, que tem 16 deputados e precisa de mais cem para levar a sua avante? Para juntar, nada, para afastar já o líder parlamentar do BE, José Manuel Pureza disse que os 102 deputados do PSD e do CDS seriam "ridículos" se a votassem. Temos, então, que não se trata de uma moção de censura mas uma censura de mocinhos, tão mocinhos que depois de terem ameaçado vão passar um mês no terror do PSD e do CDS os apoiarem. »
[DN]
[DN]
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