12 de março de 2010

Elites e bases

Lê-se este blogue, para citar um bom exemplo, e torna-se engraçado descodificar o que efectivamente escrevem os autores. Em cada texto, e em particular nos posts sobre as directas no PSD, existe frequentemente um preconceito de classe a pairar nas apreciações. Por exemplo, um dos candidatos (Rangel) tem imensa classe, estudou imenso, sabe de cor os clássicos; outro, (Passos) é sempre apresentado como alguém que não faz parte da elite, não leu o suficiente, não sabe o suficiente, não é um dos nossos e não está preparado. É mesmo interessante: leiam com atenção.
Julgo que esta é a explicação de muita da raiva que tem acompanhado algumas análises políticas recentes. É curioso que Cavaco Silva (que chegou a Presidente da República) ainda sofra deste mal em numerosos textos publicados. Ele não tem jeito, não tem sofisticação, não serve porque não leu, não cita de cor os clássicos, só sabe de economia. Um horror!
Na sociedade portuguesa, muitas coisas têm a ver com classe social. Se fulano não estudou nos melhores colégios, não pertence à elite; se usa determinado vocabulário e não outro, mais vale estar calado; se dá dois beijinhos em vez de um, é burgesso; se não é de boas famílias, enfim, nem merece resposta.
Este fenómeno aplica-se a mais ou menos tudo, incluindo lutas partidárias, e não é exclusivo português. Neste sentido, Passos Coelho é diferente de, por exemplo, David Cameron, e faz-me lembrar muito mais Nicolas Sarkozy. Durante anos, Sarkozy foi o forasteiro da política do centro-direita em França; enfrentou Chirac e pagou muito caro, com o desprezo deste e quase o seu fim político. Depois, teve de superar a ameaça de um preferido de Chirac (e da elite da UMP) que todo ele era um programa de exclusividade sofisticada: Dominique de Villepin.
Mas Sarkozy dominava o chamado "aparelho" partidário, na simplificação jornalística que então foi feita. Na realidade, esse dito aparelho era muito mais um fenómeno sociológico: as bases do partido queriam a mudança de elites e conseguiram concretizar essa mudança, elegendo Sarkozy, que para o Le Monde será sempre o político ridicularizado, que se põe em bicos de pés, imaginando-se um verdadeiro Napoleão (outro parvenu).
O que está em causa no PSD é semelhante: uma substituição de elites do partido, um processo de renovação. E alguns comentadores, que passam o tempo a queixar-se de que não há renovação na política portuguesa, deviam refrear os seus preconceitos de classe e tentar ver o que parece evidente. Mas não haja ilusões: Passos, mesmo que vença no PSD, será sempre um forasteiro para estes comentadores.

No albergue Espanhol

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